fonte: Associação Paulista de Medicina

Em meados de maio deste ano, duas indicações para a diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) causaram indignação por parte da Associação Paulista de Medicina e de outras entidades da sociedade civil, como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Isso não impediu, entretanto, Rogério Scarabel Barbosa, sócio de um escritório de advocacia que já atuou em causas em favor de planos, ter se tornado diretor de Normas e Habilitação dos Produtos. Já a indicação de Davidson de Almeida, ex-assessor de um deputado do PP, citado em investigação sobre um esquema de arrecadação – que teria morado em um local no qual era estocado dinheiro – foi cancelada a pedido do presidente Michel Temer após os protestos.

Em artigo publicado recentemente, Marilena Lazzarini, presidente do Conselho Diretor do Idec; Ligia Bahia, professora da UFRJ; e Mario Scheffer, vice-presidente da Abrasco, afirmam ser notória a influência das empresas de planos de saúde na indicação de diretores para a ANS. De acordo com o texto, a interferência ocorre em todas as etapas do processo de nomeação, que se inicia quando o Ministro da Saúde encaminha à Casa Civil um nome (geralmente de seu partido ou da base aliada do governo) que tenha “experiência”, ou seja, confiável para levar adiante os interesses do mercado

A despeito do art. 5o da Lei no 9.986/2000 – que trata da gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras, e exige reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade do cargo -, a Casa Civil, após certificar-se do nome com empresários de planos de saúde, submete o candidato à avaliação do Presidente da República, que encaminha mensagem de indicação ao Senado Federal.

“Neste momento ocorre a apresentação do escolhido a parlamentares também de ‘confiança’, para que facilitem a aprovação do indicado. No Senado, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), em atenção aos padrinhos políticos e ao relatório favorável à indicação, sabatina o candidato e vota, invariavelmente, por sua aprovação. A CAS envia então o nome ao plenário do Senado, que confirma a aprovação em meio a articulações e combinados elogios. O encaminhamento ao Presidente da República é o último passo antes de o diretor ser nomeado e assumir uma das diretorias da ANS. Tais práticas de escolha de dirigentes não são exclusivas para a ANS. Ocorrem também nas indicações para Anvisa e demais agências reguladoras”, prossegue o artigo dos pesquisadores.

CONSEQUÊNCIAS DESASTROSAS
Na visão do presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, a ANS e outras agências reguladoras, que deveriam defender os interesses da sociedade, foram ocupadas por políticos. “No caso da Agência Nacional de Saúde Suplementar, os cargos servem às grandes seguradoras, pois os próprios diretores de planos de saúde acabam ocupando lugares no órgão regulador.

Para Amaral, é importante que os recursos humanos das agências reguladoras sejam indicados tecnicamente, e não politicamente, e que nelas esteja presente a voz da sociedade e dos prestadores de serviços, os médicos e outros profissionais da Saúde, no caso da ANS. “Só assim teremos fiscalização rigorosa, correto ressarcimento ao SUS e incorporação de novos procedimentos, entre outras demandas urgentes”, complementa. Não à toa, sucessivas diretorias da ANS têm se manifestado reiteradamente em favor dos planos.”

Em entrevista à Folha de S. Paulo, Ana Carolina Navarrete, advogada e pesquisadora do Idec, declarou que “a noção de interesse público da ANS está mais ligada à defesa da sustentabilidade econômica das empresas do que ao bem-estar social”.

Ainda conforme publicação do jornal, depoimento do ex-senador Delcídio Amaral, em 2016, dizia haver uma verdadeira ‘queda de braço’ para indicação de nomes para as agências reguladoras ligadas à área da Saúde, pela visibilidade negativa que o caso Lava Jato impôs aos setores de energia, engenharia e petróleo. Ele ainda contou que os senadores Eunício de Oliveira, Romero Jucá e Renan Calheiros, do MDB, tinham papel central nessas indicações. E atualmente, a diretoria colegiada da Agência ainda é tida como área de influência do partido no Senado. Em meio a tantos escândalos e questionamentos de outros órgãos públicos – como o TCU e o Ministério da Fazenda, que criticaram a forma de cálculo do reajuste dos planos de saúde, e o STF, que suspendeu as novas regras de coparticipação e franquia -, a ANS não tem presidente definitivo desde maio de 2017 e ventila-se que o diretor-presidente substituto, Leandro Fonseca, pediu para deixar a chefia interina e ficar só como diretor.

SEM PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Com a saída da médica Karla Coelho da diretoria colegiada da ANS, a Agência não contará com nenhum profissional de Saúde em sua composição, o que não parece admissível em um órgão que visa regular um mercado tão sensível para a população. Seu substituto já aprovado pelo Senado Federal, cujo nome aguarda apenas sanção presidencial, será o advogado Paulo Roberto Rebello Filho.

“Explicitamente vinculado ao Partido Progressista (PP) [o mesmo que ficou com o Ministério da Saúde na partilha para a composição da maioria parlamentar do governo Temer] e sem qualificações técnicas para ocupar uma diretoria da ANS, Rebello não teve nenhuma contestação no Senado e obteve aprovação por unanimidade. Isso sugere o reatamento de coalizões parlamentares incluindo PP, PT e PSDB, entre outros partidos. Ou seja, prevaleceram interesses paroquiais mesmo em pleno contexto da disputa eleitoral de 2018. A Saúde e sua imensa relevância para a população são, portanto, objetos de arranjos domésticos e de acordos entre parlamentares de partidos de distintas tradições ideológicas”, analisa o artigo de Marilena Lazzarini, Ligia Bahia e Mario Scheffer.

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LEI Nº 9.986/2000 ARTIGO 5º 
O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.

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SITUAÇÃO DAS AGÊNCIAS

LEVANTAMENTO publicado em julho deste ano pelo jornal O Globo, feito em oito das 11 agências reguladoras federais – ANAC, ANTT, ANTAQ, ANEEL, ANATEL, ANS, ANVISA E ANP -, apontava que 32 cargos executivos, de 40, eram ocupados por nomes indicados por políticos. Os órgãos são responsáveis por controlar a qualidade dos serviços prestados à população nos seus segmentos de atuação, como saúde, energia elétrica, telecomunicações, petróleo, rodovias, ferrovias e aeroportos. Além de definir as regras para a exploração da atividade por parte da iniciativa privada, em setores que representam quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB), as agências participam da elaboração de editais de licitação, firmam e fiscalizam contratos.

Ainda de acordo com a reportagem, o presidente em exercício da ANS, Leandro Fonseca da Silva, foi apadrinhado pelo senador Romero Jucá. Já o diretor Rodrigo Rodrigues de Aguiar, cuja indicação é atribuída ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, afirmou que a Agência “não é órgão de defesa do consumidor” após polêmica com as regras sobre franquia e coparticipação. Devido a decisões sem embasamento técnico, as indicações políticas para cargos nas agências reguladoras criam dificuldades para regulação dos setores e para os consumidores, além de deixarem brechas para a corrupção.